Pioneirismo no Ensino da Responsabilidade Social Corporativa: entrevista com a professora Rosa Maria Fischer da FEA-USP
- Comunicacao Aventura de Construir
- 13 de ago.
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Atualizado: 14 de ago.

Por Ana Luiza Mahlmeister
Muito antes de virar moda, no final dos anos 80, a responsabilidade social corporativa despontou como preocupação de professores e estudantes que buscavam orientação e aprofundamento nessa área. Para responder a esse anseio, a professora Dra. Rosa Maria Fischer, titular da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), com livre-docência pela FEA/USP, fundou o Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS) que hoje é referência na pesquisa desses temas.
A origem do CEATS se confunde com a história da professora Rosa Maria que se graduou em Ciências Sociais na USP e logo se interessou por ensino e pesquisa. “Tinha uma visão quase romântica da carreira docente a partir da minha experiência com boas escolas públicas e professores que foram modelos de vida”. Na universidade, desde cedo se interessou por metodologia de pesquisa e foi convidada a ser monitora na FEA, onde leciona desde 1975. “Na época vivíamos em uma ditadura militar violenta que se colocava contra os estudantes, principalmente de esquerda, com perseguições, mortos e desaparecidos”, diz Rosa.
Ela foi aluna de Fernando Henrique e Ruth Cardoso, ambos afastados da USP pelo governo militar. “Toda a área de Ciências Sociais estava sob escrutínio e gerava medo e desconforto, além disso, os alunos do curso eram malvistos pelo pessoal de economia e administração, um obstáculo à convivência”, conta Rosa.
Apesar do ambiente difícil, ela destaca a oportunidade de aprendizado, unindo o conhecimento teórico e metodologia da formação na FEA com a ciência social aplicada, quando começou a dar aulas na Faculdade de Administração. Na época eram apenas três professoras entre 100 homens, e quase a mesma proporção entre os alunos. “Hoje o corpo docente está em 50% e no corpo discente as mulheres superam os rapazes”, afirma Rosa.
Um dos diferenciais da professora Rosa Maria como socióloga é sua visão humanista aplicada às empresas. Para ela, a formação de profissionais que serão gerentes e diretores de grandes empresas ou vão atuar no mercado de capitais deve levar em conta outras organizações da sociedade como o terceiro setor, que continham pouca ou nenhuma expressão nos cursos universitários ou de extensão.
“Estamos falando do fim dos anos 70 e começo dos anos 80, praticamente não há informação sobre o terceiro setor no ambiente universitário, mas havia interesse dos alunos”, afirma Rosa. Sua meta era abrir caminhos para a pesquisa em responsabilidade social, visto na época como idealização. “O objetivo de toda empresa é o lucro, mas os impostos devem voltar para a sociedade civil”, opina. Esse tema que seria vanguarda em anos posteriores, causava estranhamento e conflito de ideias.
Mas a sorte jogou a favor. A responsabilidade social corporativa cobrada fora do país por grandes multinacionais incentivou a adoção de políticas semelhantes por aqui, além de despertar o interesse da mídia pelo assunto. Esses temas foram ganhando corpo na universidade em pesquisas, artigos acadêmicos, mestrados e doutorados, com a criação de disciplinas abordando esse conhecimento.
No fim dos anos 80 a professora Rosa Maria cria o CEATS - Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor. É um núcleo de pesquisa e extensão universitária que ajuda os alunos a se aprofundarem nesses temas, atraindo profissionais e professores de outros cursos. “O CEATS se tornou uma rede pioneira de conhecimento, despertando interesse de outras universidades fora do país e conectando conhecimento sobre sustentabilidade, responsabilidade corporativa e gestão organizacional”, destaca Rosa.
Complementando as aulas teóricas, o CEATS propõe aplicações práticas. Além de orientação, pesquisa e cursos de extensão, oferece consultoria para empresas e organizações filantrópicas. Tem cursos de curta duração – entre 40 e 60 horas – “in company” ou na universidade para sensibilizar funcionários para causas sociais, e que já atendeu 235 companhias.
O CEATS presta serviços de pesquisa e diagnóstico para orientar investimentos sociais de empresas, e é contratado por outros órgãos da USP, como a Fundação Instituto de Administração (FIA), além de prestar serviço para uma fundação alemã. Um dos trabalhos em andamento prestado pela equipe do CEATS, por exemplo, é a consultoria a um fabricante de chocolates premium do Amazonas ligado a uma cooperativa agrícola de produção de cacau que tem os funcionários como sócios. Ao plantar cacau embaixo de árvores nativas, estão recuperando o solo e a floresta, exemplo de uma empresa regenerativa. O produto será rastreado digitalmente e terá selo de qualidade de origem. “Essa agricultura de pequenos produtores está revolucionando a produção de cacau na floresta”, diz Rosa. Alunos e professores acompanham essa experiência por meio de reuniões remotas.
Os cursos do CEATS oferecidos no período de férias, atrai alunos de todas as unidades da USP, de São Paulo e outras cidades. São dez dias em período integral, com 40 a 50 vagas, e que recebe mais de 100 inscrições. O foco é orientar alunos de mestrado e doutorado sobre temas como ESG, sustentabilidade, gestão organizacional do terceiro setor e empreendedorismo socioambiental. “O CEATS é uma organização sem fins lucrativos que apoia negócios de impacto, nisso muito semelhante à Aventura de Construir (AdC) e que gera valor ambiental e social”, explica Rosa.
Cada aula conta com a apresentação de um empreendedor sobre como começou seu negócio, pontos positivos e obstáculos. A professora Graziella Comini, da FEA, que conhecia a AdC por meio da CEO, Silvia Caironi, indicou empreendedores para que apresentassem suas experiências nas aulas. “Fiquei encantada com o trabalho da AdC e da Silvia com os empreendedores da periferia”, diz Rosa.
Para os alunos, essas apresentações materializam a teoria, mostrando o que dá certo ou errado, como superam obstáculos, melhoram o produto e ganham seu público, tornando a aula muito mais interessante. “Disso surgiram parcerias de alunos com alguns empreendedores, formando uma verdadeira rede de apoio”, ressalta Rosa.
Em sua opinião, o interesse e a adesão às políticas ESG, sofreram uma certa retração recentemente. “Mesmo antes da eleição do Trump já existia um movimento de direita negacionista com recuos na agenda climática e os objetivos previstos para 2030 se mostram muito difíceis de serem alcançados”, aponta. A questão climática e os danos ao meio ambiente afetam diferentes empresas que terão perdas e resultados negativos. “A consciência sobre o tema e as mudanças são necessárias, mas não serão tão rápidas como a princípio esperávamos”, diz Rosa.
O ESG e a responsabilidade social corporativa vêm se aproximando, mas é necessário sinalizar a diferença de origem entre os dois. Segundo Rosa, de cinco a oito anos para cá, grandes corporações adequaram suas estratégias às metas ESG, apresentando resultados e dando maior transparência às perdas ambientais e problemas sociais a partir de estruturas de governança, puxado pelo mercado financeiro.
Apesar do cenário mais difícil dos últimos anos, Rosa é otimista. “Pensamos no futuro, sensibilizando os alunos a gerar valor social positivo, para que as novas gerações insistam nessa trilha, trabalhar em colaboração e em rede é extremamente importante; não existem soluções prontas, é necessário o senso de comunidade: um passarinho não faz verão”.
Mesmo aposentada há dez anos e completado 50 anos de carreira, a professora Rosa Maria continua com a agenda ocupada quase todos os dias no CEATS. “Nada mais lógico que retribuir à sociedade tudo que o ensino público me deu”, completa Rosa.