Conexão universidade e empreendedores de periferia: uma relação que vai além da sala de aula
- Vinicius R. Dutra

- há 15 horas
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Entrevista com Camila Ortega, professora da Faculdade Belas Artes, de São Paulo

por Ana Luiza Mahlmeister
Na parceria entre a universidade e os empreendimentos da periferia todos ganham: alunos, professores e empreendedores são impactados pela relação profissional e por laços construídos durante o processo.
Nesse bate papo com a professora Camila Ortega, professora da Faculdade Belas Artes, voluntária da Aventura de Construir (AdC) desde o início de 2023, ela conta como incentivou os alunos da disciplina Projeto Integrador Multidisciplinar e Extensionista a apoiar negócios periféricos, colocando a teoria na prática.
A Aventura de Construir lançou recentemente o Programa Guarda-chuva que conecta microempreendedores a estudantes universitários por meio de projetos de extensão. A AdC faz a ponte, oferecendo assessorias e capacitações: uma troca que tem um impacto real nos negócios, além de contar com uma iniciativa de crowdfunding para apoiar a ação. Você pode doar pelo link. Construa essa ponte!
Camila Ortega lidera a parceria entre a Faculdade Belas Artes, de São Paulo, e a AdC, onde os alunos ofereceram consultorias de marketing para os empreendedores. Esse relacionamento começou com dois negócios apoiados por dois grupos da turma de marketing da Belas Artes. O objetivo era conhecer as empreendedoras, entender seu negócio e suas dores, propondo melhorias que contribuíssem para aperfeiçoar o empreendimento.
“Quem melhor sabe do negócio são as próprias empreendedoras e o grupo não estava ali para impor nada, mas trazer opções para que avaliassem e escolhessem o que mais gostariam de fazer para avançar”, explica Camila.
Isso implica na análise de cenários e do público-alvo e na apresentação de propostas. O grupo propôs, por exemplo, melhorar a identidade visual do negócio, mais alinhado ao seu público, sempre partindo da necessidade de cada um.
Depois desse contato, as empreendedoras decidem o que quer implementar pensando no impacto a longo prazo. “A ideia não era que o grupo fizesse tudo, mas um processo de aprendizado dos dois lados”, explica Camila.
Ela destaca que uma das principais dificuldades dos negócios da periferia é com as redes sociais e o uso do marketing digital. Para atender essa demanda, a equipe deu ideias de posts mais interessantes para atrair o público, sempre com a preocupação de que possam aplicar as estratégias de forma independente e no longo prazo.
“A primeira experiência de intercâmbio da equipe de alunos de marketing com duas empreendedoras foi tão rica que ampliamos o escopo do programa para 20 grupos com 20 empreendedoras diferentes”, aponta Camila. Essa conexão atendeu várias frentes de negócio como alimentação, moda e artesanato. “Para os alunos foi fundamental conhecerem trabalhos em diferentes áreas, criando empatia para entender os públicos-alvo e criar pontos de contato e comunicações personalizadas, levando em conta a diversidade dos negócios”, afirma Camila.
Uma das maiores dificuldades das empreendedoras é arrumar tempo para alimentar as redes sociais e fazer publicações para divulgar seu negócio. “A dificuldade não era em mexer na ferramenta – muitas delas postam boas fotos e conteúdos --, mas abrir um espaço para se dedicar a isso, pois a maioria trabalha sozinha, tendo que atender pedidos, ver estoque e definir precificação.
“A solução apresentada foi o desenvolvimento de templates e ferramentas que facilitam a comunicação com as redes sociais, sem que precisem dedicar tanto tempo a isso, além do desenvolvimento de um calendário de postagens para tornar a comunicação mais organizada e eficiente”, explica Camila.
Quando ministrou aulas de marketing para empreendedores da AdC, Camila se encantou com o empenho das turmas, a troca de ideias durante as aulas e o compartilhamento do dia a dia das pessoas e suas estratégias.
“Existe uma interrogação constante sobre como podem aplicar novas abordagens para melhorar seu negócio e como davam conta do caos ao dia a dia”, conta Camila.
Ela reforça que aprendeu muito com as aulas e a possibilidade de encontrar pessoas diferentes, ver múltiplos negócios e técnicas além da academia. Isso mostra a importância da conexão universidade e empreendedores da periferia. As aulas trouxeram a publicidade para o dia a dia e ideias práticas, como por exemplo, como uma boleira pode atender melhor seus clientes com porções mais precisas do bolo, ao invés de oferecer um tamanho que vai sobrar na festa; ou ainda, oferecer pedaços em porções individuais. Ou a ideia de uma empreendedora de um salão de beleza de oferecer entretenimento para os filhos das clientes enquanto a mãe está sendo atendida, para que fique mais tranquila. “São reflexões e associação de ideias e experiências de outras pessoas que se encaixam e podem beneficiar outros negócios”, diz Camila.
Tudo isso permite aos alunos saírem da bolha do mundinho acadêmico. “Eles estão acostumados a trabalhar sempre para os mesmos públicos, dos amigos e faixa etária semelhante; e a parceria com a AdC amplia os horizontes, traz mais confiança para arriscar em outros ambientes e atender novas demandas”, analisa Camila.
Outra iniciativa importante são as pesquisas desenvolvidas pelos alunos – que ajudam a entender melhor qual o público e o que ele espera. “Hoje é possível entende um pouco melhor o marketing e a importância de desenvolver planos bem estruturados para o crescimento do negócio”, aponta.
A troca permitiu aprofundar o conhecimento dos alunos sobre preocupações dos empreendedores pouco usuais, como a questão dos alimentos perecíveis, higiene, o cuidado, carinho e respeito com o cliente, além de terem acesso aos bastidores dos negócios e como são pensados.
“O programa é ajustado a cada semestre para aparar arestas e melhorar a conexão dessa experiência”, afirma Camila.
A meta da parceria da Faculdade Belas Artes com a AdC é ampliar o trabalho com os empreendedores, conhecer novos negócios alcançar mais empresas para que os alunos tenham cada vez mais contato com o mundo corporativo real.
“Dá aos alunos a dimensão da responsabilidade e ressignifica o trabalho na sala de aula, gerando pesquisas a partir disso”, diz Camila. Esse contato é muito positivo com reuniões semanais e feedbacks sobre o acompanhamento dos grupos, criando vínculos que extrapolam a sala de aula e o final do semestre.
Essas interações ampliam o impacto de novas propostas, não tanto ideias de novos negócios, mas de como podem aprimorar seu dia a dia, trabalhando suas necessidades para que se sintam cada vez mais seguros na manutenção e crescimento do negócio.
O projeto de parceria Belas Artes e AdC está em sua terceira edição e já atendeu em torno de 40 empreendimentos. O programa de extensão traz impactos fora da faculdade, pois diz respeito a questões sociais e ambientais, e desperta o interesse de outras disciplinas da faculdade.
“Tenho divulgado o projeto para outros professores que podem se interessar e expandir a parceria com a AdC”, completa Camila.

