Da vocação ao impacto
- Comunicacao Aventura de Construir
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ESG - O caminho da transformação, uma série da Aventura de Construir

Por Ana Luiza Mahlmeister
A sensibilidade aos problemas sociais começa cedo, com impactos
decisivos na escolha de uma carreira. A trajetória de Mayara
Cabeleira, sócia-diretora da Abrace uma Causa, que apoia projetos
sociais por meio da doação de recursos do imposto de renda, foi
moldada pelo interesse no voluntariado que guiou sua escolha de
cursar ciências sociais. Especializou-se no desenvolvimento de
projetos apoiados por leis de incentivo, até assumir a direção da
Abrace uma Causa que hoje conta com mais de 20 empresas clientes.
Ainda pré-universitária, sua vocação foi despertada ao se engajar em
um trabalho na Caritas, entidade assistencial ligada à Igreja Católica.
O espaço acolhia crianças no contraturno escolar com reforço e
atividades extracurriculares como o circo. Na época se identificou
tanto com a atividade que decidiu fazer um curso dessa modalidade,
além de ser voluntária no reforço escolar em diversas matérias. Na
Caritas se encantou com o atendimento às crianças e as atividades
culturais paralelas, como a ida à museus.
Quando precisou decidir sobre um curso universitário, pensou em
jornalismo, mas a carreira de ciências sociais pesou mais na decisão
pois respondias à sua visão crítica e seu desconforto com a
desigualdade. “Queria fazer mais do que como voluntária”, diz Mayara.
Para pagar a universidade que ingressou em 2009, aceitou trabalhos
de subsistência até conseguir uma bolsa de iniciação científica da
Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) do governo federal, abrindo as portas para a pesquisa, sua
paixão. Seu trabalho de iniciação científica sobre a política de
pacificação do Rio de Janeiro na época da Copa do Mundo de Futebol
em 2014 foi o passaporte para o mestrado na PUC-SP como bolsista
do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico). Estudou a militarização das favelas, entrada da polícia
nas ocupações e o surgimento das Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs) e conheceu projetos sociais nas favelas.
Nesse período de vida acadêmica, percebeu que lhe faltava algo mais tangível do que estudar a sociedade.
“Queria ficar mais próxima dos projetos, ver a transformação de territórios e pessoas que trabalham coletivamente em benefício de algo”, diz Mayara.
Com o término do mestrado em 2016 o caminho natural seria o
doutorado, mas seu ímpeto foi “pôr a mão na massa”, isto é,
trabalhar em coisas mais concretas. Terminou o mestrado com 26
anos e adiou o doutorado para viver outras coisas profissionalmente.
“A pergunta que me fazia era: o que fazer?”, diz Mayara.
Com formação de pesquisadora, as portas do mundo profissional não
se abriam. Trabalhar em um centro de pesquisas não a encantava. Foi
quando decidiu resgatar a pergunta original: por que escolheu
ciências sociais? Esse exercício a fez voltar às origens e ao tema do
voluntariado, a questão da desigualdade e do acesso das pessoas a
coisas que de outra forma não teriam.
“Queria trabalhar em uma organização sem fins lucrativos e com projetos na ponta, mas isso não aparecia: exigiam dois anos de experiência”, conta Mayara.
Nesse ínterim, trabalhou em restaurante e deu aula particular de
reforço escolar, até ser contratada pela UNIP (Universidade Paulista)
como tutora do curso de sociologia. Caiu de novo na área acadêmica,
mas continuou atenta a outras oportunidades na trilha do impacto
social. Convidada por um amigo, foi trabalhar em uma produtora de
cinema, onde descobriu a existência da Lei do Audiovisual e a Lei de
Incentivo à Cultura ou Lei Ruanet.
Junto com o amigo produtor, diretor e realizador, e com sua
experiência acadêmica, escreveu três projetos para a Ancine (Agência
Nacional de Cinema) que foram aprovados. Esse desafio permitiu à
Mayara descobrir uma nova vocação: captadora de recursos e busca
de financiamentos.
Com isso em mente, buscou uma oportunidade como coordenadora
de projetos e captação de recursos por meio do site GIFE – Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas--, organização sem fins lucrativos
que é referência em investimento social privado, e foi chamada para
uma vaga de analista na Aventura de Construir (AdC). Na conversa
com a CEO da AdC, Silvia Caironi, com sua comunicabilidade e
experiência anterior, ficou patente o potencial de Mayara na captação
de recursos e no desenvolvimento de projetos para editais.
“Até trabalhar na AdC não tinha me dado conta do tamanho do setor de captação de recursos e que não está disponível na grade de disciplinas da universidade: hoje existe um potencial de R$ 14 bilhõesque podem ser usados em leis de incentivo”, diz Mayara.
No trabalho na AdC desenvolveu outras habilidades, como o lado
criativo e de comunicação com as empresas em busca de recursos
livres, sem vinculação com editais.
“Na AdC trabalhamos a quatro mãos, junto com a Silvia, que tinha a visão da demanda dos empreendedores”, explica Mayara.
Indicada por um amigo a uma vaga na Abrace uma Causa, se
interessou pela possibilidade de escalar o impacto social,
disseminando conhecimento e ampliando a captação de recursos para
várias organizações. Foi entrevistada pelo sócio fundador da Abrace,
Bruno Pessoa de forma on-line, durante três horas, na época da
pandemia, e surgiu uma grande identificação entre eles.
“Fui para uma vaga de analista e acabei sendo contratada como coordenadora, responsável inclusive pela comunicação com as empresas clientes”, diz Mayara.
Com sua contratação a área foi reestruturada com mais duas analistas e depois de um ano tornou-se sócia.
Mayara explica que a Abrace uma Causa é uma pequena empresa
com uma equipe enxuta: são sete colaboradores. É uma plataforma
criada para facilitar a destinação do Imposto de Renda da pessoa
física para projetos aprovados pelas leis de incentivo.
Conforme previsto na lei 9.249/95 (art. 13, § 2º, III), a empresa doadora, optante do lucro real, pode deduzir da base de cálculo do IRPJ - Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) o valor da doação, até o limite de 2% do lucro operacional antes de computada a sua dedução para entidades à sua escolha. A Abrace uma Causa desburocratiza e digitaliza a destinação do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) para que mais pessoas possam exercer sua cidadania escolhendo para
onde destinar 6% do imposto de renda devido, caso ela realize a
declaração na modalidade completa.
A plataforma foi idealizada pelo Bruno Pessoa que imaginou um fluxo
digital para facilitar as doações por meio do IR. No site institucional
das empresas clientes, criado pela Abrace uma Causa, é possível
escolher o projeto que deseja apoiar, realizando o pagamento pelo
sistema que gera toda a documentação necessária, permitindo que o
abatimento fiscal aconteça. A doação é realizada em um ano e a
declaração é feita no ano seguinte.
“A plataforma facilita o processo por resolver a parte burocrática, daí a importância de conscientizar as pessoas: nosso o maior desafio é de comunicação”, afirma Mayara.
Toda a jornada de doação é resolvida na plataforma que gerencia os
doadores e na outra ponta as entidades que recebem.
Um ponto crucial é a sensibilização das empresas para oferecerem
essa opção em seu site institucional. “Falamos com um público amplo
levando campanhas de divulgação para pessoas físicas dentro das
empresas, com grande chance de sensibilizar aqueles que fazem a
declaração completa do IR”, afirma.
A Abrace uma Causa faz os materiais e peças de divulgação. A equipe
customiza sites institucionais para incentivar funcionários a doarem
para entidades escolhidas pela empresa, homologando projetos em
um portfólio de 100 opções, incluindo a AdC. No site do Itaú, por
exemplo, foram escolhidos cinco projetos, já a Votorantim apresenta
12 para escolha dos funcionários. Alguns clientes, como a Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), patrocinam uma página
própria para atrair doadores. A homologação das entidades
contempladas tem critérios como territórios e causas mais afinadas
com o interesse das empresas clientes. Segundo Mayara, em 2024 a
plataforma mobilizou R$ 20 milhões em doações.
A estratégia ambiental, social e de governança (ESG) está presente
na Abrace uma Causa principalmente pela conexão com o “S”, de
social.
“Essa política se relaciona conosco de duas maneiras: para dentro na medida em que buscamos colocar em prática tudo aquilo que recomendamos, e para fora: tudo isso é bastante desafiador numa empresa de pequeno porte como a nossa”, diz Mayara.
A empresa promove ações de voluntariado e campanhas de doação,
customizados para atender demandas de uma instituição, projeto
social ou situações pontuais, como de calamidade. Essas campanhas
podem arrecadar itens, bens ou recursos financeiros que serão
utilizados para diferentes finalidades conforme os participantes de
cada iniciativa.
“Essas frentes de atuação, no entanto, respondem somente a uma pequena parcela do ‘S’ da estratégia ESG e estamos estudando como implementar e conectar outras diretrizes sociais para fortalecer o nosso trabalho numa via de mão dupla, olhando para o que precisamos mapear, aprender e implementar dentro de casa para depois oferecer como serviço e produto”, completa Mayara.
Um exemplo é a campanha anual de conscientização sobre violência
contra as mulheres. Há três anos consecutivos a Abrace uma Causa
realiza uma grande mobilização sobre o tema que foi introduzido para
que a equipe estivesse mais preparada para reconhecer situações de
violência contra mulheres -- tanto no ambiente de trabalho, quanto
fora dele -- e ter conhecimento sobre como apoiá-las e orientá-las a
pedir ajuda. Disso nasceu uma parceria com o Mapa do Acolhimento,
instituição que tem uma rede de voluntárias psicólogas e advogadas
presta atendimento gratuito para outras mulheres que passaram ou
estejam passando por violência. Em 2025 esse aprendizado permitiu
a realização de uma campanha maior, envolvendo embaixadoras com
poder de influência para levar essa mensagem sobre as formas de
acolher mais longe.
“O resultado foi incrível, tivemos aproximadamente 230 mil visualizações do nosso conteúdo nas redes sociais: isso é um pouco no nosso “S” mas queremos fazer mais!”, completa Mayara.