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O que é ser voluntário de verdade?

Texto escrito por Percival Caropreso, profissional de Comunicação, fundador da Setor 2 ½, Conselheiro da Aventura de Construir

Em 1997, ainda na agência de comunicação McCann-Erickson, fomos chamados pela então primeira-dama, Professora Ruth Cardoso, fundadora do Comunidade Solidária. Ela não gostava de ser chamada de primeira-dama, nem de Dona. Era Professora Ruth Cardoso mesmo.

Glen Martins e Carlos Pinto, que comandavam a agência em Brasília, estavam comigo no projeto: lançar o correto conceito do que é ser VOLUNTÁRIO na vida.  

O objetivo era fomentar o nascimento de uma rede nacional integrada de centros de voluntariado, todos com a mesma visão consciente do que é ser voluntário de fato e compartilhar tecnologias sociais, projetos comuns, aprendizados, sucessos, erros e acertos.

Team of volunteers stacking hands

O grande problema é que, no Brasil, a cultura do voluntariado é muito pessoal, emocional. A participação dos voluntários costuma ser efêmera e se esgotar rapidamente nela mesma. Como se cada um estivesse fazendo o Bem pra contar pontos num programa de milhagem pessoal para o Céu.

O voluntário nem sempre trabalha numa causa, mas sim num lugar, num projeto, numa ong. E trabalha quando ele quer, como ele quer e se ele quer. Geralmente falta consciência estratégica, planejamento, plano de ação, comprometimento, capacitação, que qualifiquem e fortaleçam esse impulso inicial, apenas pessoal e generoso.

Aí eu pensei numa hipótese para a campanha de comunicação, arrogante e metida a intelectual. Tive a ousadia de discuti-la com a professora Ruth Cardoso: questionar essa essência, de que todo voluntário é movido por uma motivação interna inicial e pessoal. Impetuosa, geralmente egoísta como um salto no escuro. Aí eu comecei o discurso.

Vontade.

Vem do Latim, do verbo transitivo volo, vis, velle, volui. Ou seja, basta vontade e pronto.

Daí vieram vontade (voluntas-tis) e voluntário (voluntarius, a, um). Ou seja, de livre vontade, também uma característica da atuação voluntária.

Essa origem do querer, do desejar, é presente em verbos de muitas línguas: vouloir, volere, want, welle. Vontade é a intenção, a projeção que fazemos, hoje, de algo que queremos realizar. No futuro.

Não por acaso o tempo futuro, em Inglês, é will. Vem do inglês medieval wille, que vem do anglo-saxão willa. Todos de origem indo-europeia, de onde veio o itálico e também veio o nosso latim.

Mas o verbo volo, as, are, avi, atum tem também uma forma intransitiva, com outro significado: voar. O mesmo radical está em muitas línguas: volare, volar, voler, voar. Nos idiomas anglo-saxões, a fonética transformou em fleogan e flyen, que resultaram modernamente em flug e fly.

Já dizia Ícaro que o Homem pode voar. E o voluntário também: atira-se por impulso para uma aventura que desconhece o amanhã.

Nosso papel é desconstruir essa noção inconsciente de que ser voluntário é um breve salto no escuro a partir de uma vontade generosa e impetuosa, que desconhece o amanhã.

Temos que comunicar que ser voluntário é manter um engajamento sério, que pressupõe consciência da nossa decisão e compromisso duradouro com nosso trabalho. Com a causa. Não tem nada a ver com volátil, volúvel, voluteante.

A professora Ruth Cardoso apenas sorriu, concordou em parte, mas destruiu essa minha hipótese para a campanha de comunicação: não funcionaria para atrair multidões. Mudamos de assunto.

Com outra abordagem, a campanha faz sucesso até hoje: “O que você faz bem, pode fazer bem pra alguém. Venha, seu coração é voluntário.”

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