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Aupa Jornalismo entrevista Aventura de Construir

O Blog AdC desta semana traz a entrevista realizada pela AUPA – Jornalismo de Impacto com Silvia Caironi e Raquel Santos, da Aventura de Construir.

A entrevista, realizada pela repórter Angélica Weise, foi extraída do portal da Aupa e é reproduzida na íntegra a seguir. Confira!

Com trajetória de 10 anos, a Aventura de Construir é um negócio social que capacita e acompanha o trabalho de microempreendedores das periferias de São Paulo. Até 2019, a organização já havia impactado indiretamente mais de 32.500 pessoas, segundo dados do relatório de atividades 2019. Mas como estão estes empreendimentos um ano após a pandemia? Como apoiá-los?

Vale dizer que o Brasil atingiu a marca de 14,4 milhões de desempregados no primeiro trimestre de 2021, de acordo com pesquisa do IBGE. Neste cenário, muitos buscam pelo empreendedorismo. Foram 2,6 milhões de microempreendedores individuais (MEI) abertos em 2020 – um aumento de 8,4% em relação a 2019, segundo dados do Mapa de Empresas. Durante a crise advinda pelo novo coronavírus, 58,9% empreendedores interromperam o funcionamento temporariamente, afirma pesquisa realizada pelo Sebrae no início da pandemia.

Todo este cenário fez com que a Aventura de Construir mudasse a forma de operação. Em 2020, o negócio social passou do presencial para o on-line. Antes eles trabalhavam, sobretudo, na periferia da Zona Oeste de São Paulo, e agora estão trabalhando em todo o Brasil.

Para saber mais sobre a atuação da organização em meio à pandemia e tendo as mudanças diante do trabalho como tema principal, a Aupa entrevista Silvia Caironi, coordenadora geral da Aventura de Construir, e Raquel Santos, responsável pela área técnica de desenvolvimento Econômico e Social da ONG, sobre os desafios de quem mora na periferia, o empreendedorismo como fonte de renda, o aumento da informalidade e a queda de renda do trabalhador.

AUPA – O empreendedorismo nasce com a falta de trabalho. Mas qual é o maior desafio desses trabalhadores?

Silvia Caironi – A perda de trabalho tem várias declinações. Por exemplo, mulheres com filhos pequenos foram as mais afetadas pela pandemia. Nesse sentido, podem ser grandes empresas que fecham e não se preocupam com a recolocação dos próprios. Por exemplo, o banco Bradesco demitiu mais de sete mil pessoas em 2020. Porém, há várias empresas nessa mesma situação. Aliado a isso, há um embate político, como o caso das montadoras de carros. Muitas montadoras estão saindo do Brasil. Não há uma política de incentivos.

Com isso, vemos que há aspectos que são da pandemia e a tecnologia está entrando com força. Mas há também uma miopia política. É isso que eu enxergo a respeito das causas da perda de trabalho. E quais são as pessoas desempregadas? São indivíduos de qualquer categoria. Pessoas que têm alto e baixo nível educacional. Então, os desafios desses trabalhadores dependem também dos níveis educacionais que detém.

Na Aventura de Construir, trabalhamos com pessoas de baixa renda e baixo nível educacional. Percebemos que o maior desafio é a sustentabilidade desses microempreendedores. Eles podem ser empoderados e precisam de formação, mas não podem parar, pois precisam gerar renda para as próprias famílias.

Raquel Santos – Além da perda de trabalho, é necessário observar como isso afeta a família. Por exemplo, uma pessoa casada perde o emprego. O cônjuge também começa a se movimentar. Pode ser que, até então, o parceiro ou, sobretudo, a parceira trabalhava com os afazeres de casa, o que já é árduo. Mas este cônjuge começa a querer ser um pequeno empreendedor para gerar renda.

Nós trabalhamos também com a autoestima e com a valorização de pequenos passos. Obviamente, não há como dizer que está tudo bem para o empreendedor que está começando o negócio, senão quebramos a sustentabilidade financeira dos empreendimentos. Mas é preciso valorizar.

Geralmente, quando começo uma capacitação, coloco o significado das palavras empreender e empreendedorismo. E um desses significados aparece no dicionário como travessia arriscada. Comento que empreender tem desafios e riscos. E é um desafio muito grande as pessoas se enxergarem como empreendedoras e recuperarem a autoestima – sobretudo quem está desempregado. Há ainda a infraestrutura. Muitos comentam que todo mundo pode virar empreendedor. E você vai perguntar para as pessoas como se faz isso e as pessoas não sabem. Estamos em um projeto que se chama Lamberti Transforma – financiado pela Lamberti, empresa do setor químico, de Nova Odessa (SP). O projeto é voltado àquela região, com foco nas mulheres. Você pergunta ao empreendedor “quantos clientes você tem?”, e a pessoa não sabe responder. E para nós, que estamos de fora e temos um olhar mais geral, se você disser que a pessoa está fazendo errado, você a destrói.

O nosso método de construir é despertar o interesse da pessoa. Ou seja, despertar o interesse para que ela identifique quais são as necessidades. Não adianta eu dizer para o empreendedor que ele precisa ter um cadastro de cliente, se isso não faz sentido pra ele. Esse é um desafio do nosso trabalho.

Costumamos pensar em degraus. Por exemplo, há um empreendedor, que é informal e ainda não é MEI. Eu vejo isso na primeira assessoria que fazemos na Aventura de Construir. Tenho que pensar se vale a pena sugerir que a pessoa ‘vire MEI’. Preciso pensar no planejamento dele e quais são as suas prioridades. Por isso, em toda a assessoria, passamos algumas pequenas metas e que sejam possíveis de serem realizadas.


AUPA – Temos um alto número de informalidade, são 34 milhões de trabalhadores nessa situação – de acordo com o IBGE. O que isso representa para o universo do empreendedorismo e como afeta os projetos que a Aventura Construir desenvolve?

Raquel Santos – O número de informais aumentou com a pandemia. Mas, dentro do nosso universo, já trabalhávamos com várias pessoas que eram informais. O objetivo do nosso trabalho não é falar mecanicamente que essas pessoas precisam se formalizar.

Contudo, todos os cursos e as assessorias que fazemos envolvem uma capacitação sobre os direitos e deveres do MEI. E, nesse movimento, mostramos o que faz sentido e que essa pessoa pode dar um passo para a formalização. Expomos quais são as ferramentas usadas e que poderiam despertar o interesse para fazer com que a pessoa veja que o MEI é uma necessidade concreta. Ao aderir à formalização, você terá direitos e deveres, além de pagar imposto. Colocamos isso de uma forma que faça sentido para essas pessoas – e este movimento está ligado à valorização. Ainda: há também alguns empreendedores que estão começando e não é possível saber se o negócio vingará. Portanto, é necessário um olhar crítico.

Silvia Caironi – Um fator que levamos em conta no nosso processo de formação é o apoio à formalização. Em 2020, tínhamos desenhado um projeto que apostava na formalização. Mas decidimos, junto com o financiador, mudar e focar no tema da sustentabilidade. Em um momento como o que vivemos, com a pandemia, acredito que seja quase estrutural o aumento da informalidade. A preocupação maior não é a formalização, mas ter o mínimo de dinheiro para chegar ao fim do mês.

Muda muito se o olhar é voltado ao micro ou ao macro. Quando a ênfase é no micro, há incentivos. Mas ao considerar também o macro, é preciso entender que no momento que vivemos há ainda outras prioridades.

AUPA – Com a taxa média anual de desemprego no Brasil de 13,5% em 2020, a maior já registrada desde o início da série histórica em 2012, como a Aventura de Construir vê as perspectivas para os empreendedores nas periferias nos próximos anos?

Silvia Caironi – Estou preocupada, pois o microempreendedorismo de periferia pode seguir existindo se houver um mínimo de poder aquisitivo no território. Contudo, o poder aquisitivo no território diminuiu muito. Já há pesquisas que comprovam que a classe média brasileira encolheu ao menor patamar em mais de 10 anos, em relação ao total da população. A classe média no Brasil também vive nas periferias. Então, se o poder aquisitivo diminui é complicado, porque o microempreendedor também não consegue gerar economia de escala – o que se consegue gerar em um grande mercado, por exemplo.

Então, há um problema de economia de escala, pois é um desafio de poder aquisitivo no território. Por que coloquei os dois temas juntos? Porque se o poder aquisitivo diminuir, deveria haver esforços para que os preços não subam muito. E este é o tema da economia de escala. Vale dizer, o microempreendedor de periferia não é economia de escala.

Se diminuir o poder aquisitivo, um consumidor comprará muitas vezes no grande mercado – e na quantidade que pode comprar. Ao mesmo tempo, enxergamos que não há muita possibilidade de desenvolver os territórios periféricos, senão tentando fortalecer aqueles que são os microempreendedores. Não há fórmula. E o que nós tentamos fazer? Pensar junto com eles negócios novos e criativos – ou seja, trabalhar juntos.

Nesse sentido, fazemos um trabalho muito profundo de fortalecimento da rede de microempreendedores. É uma rede que não é necessariamente física, é também virtual, com diferentes lugares do Brasil se apoiando.

Raquel Santos – É fundamental o fortalecimento do comércio local. Muitos empreendedores periféricos relatam situações como: “Meu vizinho compra um produto no centro e não aqui [na periferia], pois não confia na qualidade do meu trabalho”. Toda vez que os empreendedores relatam algo assim, eu pergunto para eles: “E vocês compram onde?”. Então, mais uma vez trabalhando com esse exercício de devolver a pergunta. Porque sem esse fortalecimento de rede não é possível fortalecer a economia do seu bairro e nem difundir a qualidade do seu trabalho. Então, prestigie o comércio local, compre dos pequenos.

AUPA – Gostariam de acrescentar mais algum comentário?

Silvia Caironi – Eu entendo que o momento é de muitos desafios, para trabalhadores formais e informais. Ao mesmo tempo, exige que as instituições cresçam, mas não em quantidade. Só que crescer não é só no sentido de ter mais benefícios e mais projetos. É, principalmente, não perder a origem e a missão pela qual se luta.

E, dentro desse contexto, é importante também entender como a experiência do Terceiro Setor pode ajudar as empresas, a partir da articulação e da coordenação, que, muitas vezes, as empresas não têm.

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