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AdC Entrevista: David Maderit

David dos Santos – de nome artístico David Maderit – é um rapper criado na Brasilândia, periferia da zona norte da cidade de São Paulo. Desde o segundo semestre de 2019, acompanhamos sua trajetória empreendedora. Possui um estúdio de música chamado Beat Orgânico, um empreendimento de impacto social que estimula os jovens da comunidade a buscarem uma vida mais digna e cientes da sua cidadania. Nesses quase dois anos de relação, David participou de momentos marcantes na Aventura de Construir, como o evento ProtagonizAí e os projetos Fortalecendo Protagonistas e Crescendo em Rede.

Quer conhecer um pouco mais deste protagonista? Então confere a entrevista realizada com ele!

Para iniciarmos nosso bate-papo, o David compartilhará um pouco da sua trajetória na Brasilândia.

Minha mãe era líder comunitária na Brasilândia. Nós viemos para cá, por volta de 1988. Fomos uma das primeiras famílias, de um total de 400. No espaço no qual estamos conversando aconteceram várias coisas: aula de idiomas, também foi creche comunitária. Ela criou uma associação de mães chamada “Associação de Mães Santa Luzia” e trabalhou nesse espaço cuidando das crianças.

Muitas pessoas que estão fazendo projetos, passaram pelos projetos daqui. Tem um menino chamado Marcelo Louzada, ele assina Mano Louzada, ele fez curso de espanhol aqui e hoje trabalha com iluminação de eventos, é bastante conhecido. Tem outra pessoa, ele se chama Leandro Léo e fez a novela “Rei Davi” na Record, fez “Vidas Opostas” e várias outras novelas, fez uma música com a Maria Gadú, “João de Barro”, ele também era daqui. Ele morava no Rio de Janeiro e veio para São Paulo, encontrei com ele no dia 25 de janeiro do ano passado e ele estava fazendo show com a Filarmônica de São Paulo, no Ibirapuera.

Eu fiquei pra conversar com ele e ele disse: “Porra, David! Eu quero ir lá pra ver como está! Vamos voltar! Vamos fazer alguma coisa lá!”. Só que aí veio a pandemia e ele não conseguiu vir ainda. Ele queria vir tocar, né?! Mas aí também não deu. Desde esse tempo, esse pessoal vem vindo. Filho de projeto. Gente que participou de projeto social.

Teve também um tempo em que o pessoal daqui precisava comer e minha mãe começou a fazer um evento que consistia em um almoço de Natal para todo mundo, a favela inteira, no dia 24 de dezembro, e movimentava tudo nesse almoço de Natal. Esse almoço aconteceu por 10 anos seguidos. O último foi em 2006, pois minha mãe pensou: “talvez não precise mais” que as coisas vão seguir de forma tranquila. Minha mãe faleceu em 2007, mas a gente conseguiu resgatar muitas das mulheres que trabalharam com ela naquela época.

Então toda essa gratuidade, esta generosidade nasce como um legado da sua mãe?

Sim. Ela fez parte do MDF (o Movimento de Defesa dos Favelados), porque isso aqui não era tudo assim. Era tudo barraquinho. Meus irmãos, os dois, um que tá aqui e outro que tá morando em outro lugar, foram DJ’s nas equipes de baile de São Paulo. Então eu ia nas lutas de movimento com a minha mãe, porque não tinha com quem ela me deixar. Tinha que ir com ela no final de semana.

Quando você era criança?

Sim, eu tinha uns 8 anos. Aqui dá para ver, foi para um evento de uns americanos que vieram. Deram como presente pra eles levar embora, então a gente escolheu essas fotos. E aí a minha influência é essa, né?! Porque eu já vim desse movimento de moradia com a coisa da música. Aí fui pro RAP e estou desde 90 e poucos

Em 2001, eu trabalhei na Escola Aprendiz, que é uma das maiores, com Rubem Alves e Gilberto Dimenstein. E eu aprendi a fazer projeto lá com eles. Então tudo o que sei de projeto vem de lá. Mas passou pela Ação Educativa também. Já vinha escrevendo desde aí, pois aprendi a escrever com eles e venho seguindo desde aí.

Então tem uns 20 anos que você está envolvido, né?

Mais ou menos. Eu passei pela Cidade Escola Aprendiz, passei pela Ação Educativa, passei pelo Sou da Paz, passei pelas católicas, quase todas. Os franciscanos, jesuítas, Lar de Maria, passei pela maioria delas. Acho que a maioria das coisas foram assim, e aí você vai aprendendo, né?! Eu tinha essa coisa de escrever pra tudo. Eu escrevo pra tudo. Às vezes vem, às vezes não vem. Nessa trajetória tem VAI (Valorização de Iniciativas Culturais), acho que têm 4 ou 6. Têm dois ProAC (Programa de Ação Cultural).

Você conseguiu alguns projetos VAI?

Quase todos. O “Beat” é do VAI, durou 2010/2011. Em 2012, a gente colocou o “De Fio a Pavio”, que durou 2012/2013. Já em 2014, eu não fiz nada. Em 2015, também não. Em 2017, veio o coletivo “Nóis da Viela”.

O coletivo se chama “Nóis na Viela”?

É. Coletivo “Nóis da Viela”. Foi o “Nóis da Viela” que eu escrevi também. Fora isso tem o prêmio “Sabotagem”.

Eu sempre montei uns fiozinhos para fazer som, gravar meus próprios RAPs, produzir minhas próprias coisas. Só que em 2009 perdi alguns trabalhos, saí do trampo e peguei o dinheiro para investir em conhecimento.

Trabalhava com o quê?

Ainda numa ONG. Eu trabalhei no ProJovem também dando aulas de qualificação profissional para lá, depois saí do ProJovem e estava começando numa ONG. Peguei o dinheiro e investi em um curso, onde eu já saí empregado. E aí fui pro Clube da Turma no M’Boi Mirim, saindo da Brasilândia e indo trabalhar lá na zona sul. E o Clube da Turma do M’Boi Mirim, na época, era quando o “Criança Esperança” tinha acabado de sair de lá. Eles devolveram o espaço do Clube da Turma do M’Boi Mirim e vieram para Brasilândia (pro Espaço Fazendinha).

E aí tinha um menino que morava lá no Jardim Ângela e trabalhava aqui. E eu que morava aqui, trabalhava lá e uma hora a gente resolveu trocar. Aí vim pra cá pra Brasilândia, meu estúdio veio também. Do lado de uma biblioteca a gente conseguiu fazer um estúdio com caixa de ovo, isopor e espuma e gravando de graça. Por isso quando eu falo que metade do rap da Brasilândia passou na minha mão, foi aí. Fiz também uns estágios, uns trampos pro CCJ (Centro Cultural da Juventude).

Na verdade, minha mãe foi uma das pessoas que pensaram para aquilo ser aquilo. Eles reuniram as lideranças e perguntaram o que ia fazer. A ideia era ser um sacolão ou uma ETEC, se não me engano. Na verdade, naquele tempo era FATEC. A ideia era uma FATEC ou ser um centro cultural. Ela foi uma das pessoas que brigou para ser um centro cultural.

Então você se enxerga aqui como um articulador, uma pessoa que ajuda, tem essa sensibilidade e, ao mesmo tempo, esta capacidade de articular?

Sim, a gente nunca quer ser. É uma responsabilidade grande. Essa ideia do coletivo foi isso, eu passava na rua e as pessoas falavam “David, tem muito lixo!” ou “David, estão roubando aqui!” e eu pensei que a gente precisava fazer alguma coisa e foi onde eu fiz o grupo do WhatsApp com todas as pessoas que vinham falar comigo. Depois que o grupo foi montado, a gente precisava pensar no que fazer, enquanto umas pessoas entravam e outras saiam do grupo, acabou formando o coletivo.

Sobre o lixo de lá, ainda estamos brigando em relação a esse problema. Tem várias brigas que a gente luta, e não sei como resolver. Representatividade política é o que falta!

Pode falar um pouco mais sobre como você enxerga as questões de articulação política?

Nunca pensei que precisasse, pois a gente sempre conseguiu coisas de outras formas. Mas atualmente eu percebo que isso está começando a se tornar mais necessário. Ano passado a gente apoiou os candidatos que queriam vir e mostramos os problemas, pois a gente quer construir e não adianta simplesmente pegar alguém e apenas apoiar.

Esses tempos passou uma adutora por lá, quebraram a viela inteira, a SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) disse que era para passar mais água por um cano maior e avisou que era para cada um comprar seus cavaletes e relógios. O pessoal comprou tudo e nunca mais voltaram. A gente vai na SABESP e não acha, então o descaso com o público é muito grande.

A única coisa que a gente não reclama é o transporte público, temos 8 linhas de ônibus, mas de resto…

Você já tem uma bela trajetória, né?! Por que você foi procurar a Aventura de Construir? E o que a Aventura de Construir trouxe para você depois de toda essa jornada que você estava desenvolvendo?

Nunca levei muito a sério essa questão do estúdio, então acho que esse negócio de me formalizar me fez vir para a Aventura de Construir. Eu conheci vocês lá na Associação de Moradores da Cleusa.

A minha companheira já participava e ela perguntou se eu poderia ir, pois ela não podia, e eu disse: “claro, não estou fazendo nada”. Eu fui na reunião e ouvi a Raquel falar. Não consegui falar com ela quando terminou. Mas ela disse: “depois a gente conversa”. No final do ano encontrei a Taynara e ela me disse que achava os meus projetos legais e que a gente podia tentar escrever.

Foi importante a Aventura de Construir porque eu gravei muito pouco ou nada durante a pandemia e o que me ajudou muito foi o carro do ovo (ICE e AdC juntos para enfrentar a pandemia!), fazer as vinhetas e correr com ele. Daquilo que a gente começou com a Aventura de Construir, rendeu mais parcerias com o pessoal daqui, além de outros projetos; a gente fez o carro do ovo e o pessoal estava pagando para pegar umas cestas orgânicas lá na Freguesia do Ó para trazer e poder distribuir. Pensei o seguinte: “O carro do ovo tá aí, vamos fazer porque a gente tem 3 carros para ir buscar”. Por semana a gente carregava mais de 150 kits de saúde e cestas básicas.

No carro só vinha eu e mais 22 cestas, que era uma cesta grande de orgânico, aí vinha o Brava, o Corsa e o Pálio cheio de cesta. A gente fazia esse rolê toda sexta-feira. Fora isso tinha o projeto da Companhia Teatro da Laje, que a gente também começou a fazer essas coisas para pegar doação. Se desse para ir, a gente pegava sempre.

Você que participou do projeto Crescendo em Rede, quando pensa em rede, o que te vem à cabeça?

Uma rede onde todo mundo tá ligado de alguma forma. Eu acho que em uma rede, quando todo mundo tá ligado sempre, tem aquela questão de fidelidade e lealdade, sabe? Eu acho que sou muito mais leal do que fiel, entendeu?

Então eu acho que é o que a gente está falando, cada um tá rodando no seu lugar, mas sabe da necessidade do outro e sabe que pode procurar a ajuda do outro. Isso para mim é lealdade. Por isso eu acho a lealdade mais valorosa. Para mim, rede é isso aí; fortalecer o vínculo com as pessoas até que chegue nesse nível de troca de todos os jeitos, seja informação, contato, grana…

Quando a gente era colocado em grupos [de Whatsapp] menores e conversava sobre os problemas e dificuldades, acho que aquilo ali era uma afinidade. E aí cria pessoas que você pode procurar depois, né?! Tem uns nomes ali que eu guardei.

E como você sente a relação com as pessoas dessa rede?

Agora mais distante. Porque ali tinham pessoas que eram super estruturadas, outras que estavam se estruturando. Eu, nesse projeto, era uma pessoa que estava me estruturando. Eu escrevo muito para rede social, mas escrever sobre impacto social para mim é diferente. Toda vez que vai precificar, eu já tenho dificuldade.

Para encerrar, nos conte sobre os seus projetos atuais.

Eu estou com um projetinho que, na época, tinha 4 anos, e hoje tem 6. Eu tenho uma equipe que veio do coletivo e também não sei se vai seguir. Quando a gente montou a ideia, que seria doar um dia do mês – esse dia seria o primeiro sábado do mês – chegando no sábado, a gente já podia cobrar a pessoa porque é uma coisa que ela quer fazer.

Estando em coletivo, a gente não tem hierarquia, lógico que tem aquela coisa de “vocês chegaram em mim primeiro”, então vou ter que dar uma palavra aqui. Eu falo pelo coletivo, não tem como.

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