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A importância do desenvolvimento sustentável para o seu negócio

Hoje, no mundo do empreendedorismo, falamos muito sobre ESG. Do inglês “environmental, social and governance”, a sigla é usada para se referir às melhores práticas ambientais, sociais e de governança de um negócio. Ao mesmo tempo, falamos também sobre valor compartilhado, ou seja, políticas e práticas que aumentam a competitividade de uma empresa, ao mesmo tempo em que melhoram as condições socioeconômicas nas comunidades em que se atua.


Pode-se mudar esses termos ao longo do tempo. A entrevista abaixo, realizada em 2008 com Percival Caropreso, não se fala em conceitos como ESG ou valor compartilhado, mas a sua essência está ali. Ao falar sobre Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Socioambiental, estamos refletindo sobre temas importantíssimos ao mundo dos negócios. Importância esta que ficou ainda mais evidente a partir da pandemia de coronavírus.

Essas discussões chegaram para ficar. Com a pandemia e com as redes sociais, as empresas não podem mais se esconder nesse sentido. Cabe a todos pensar os seus negócios levando em conta essas questões. Para ajudar nesse processo, publicamos a entrevista abaixo.

Quando as empresas começaram a se preocupar com o desenvolvimento sustentável? Essa iniciativa partiu por conta da pressão dos consumidores ou por outros motivos?

Toda e qualquer atividade humana sempre se preocupou com o seu  desenvolvimento sustentável, ainda que intuitivamente, desde que o  mundo é mundo. É da natureza humana buscar sua sobrevivência hoje e garanti-la para o  amanhã. Do ponto de vista empresarial, sustentabilidade é criar valor e  riqueza no mercado de hoje, já forjando as condições para perpetuar esse  valor e essa riqueza no futuro. A sustentabilidade sempre esteve presente em todas as eras da história da  Humanidade, da evolução da sociedade e da economia.


Um artesão da Idade Média garantia a sustentabilidade do seu negócio  através da compra mais eficiente de matérias-primas, do aumento da produtividade da sua oficina, da melhor distribuição da sua produção, de  uma saudável relação entre o que ele investia para produzir e o que ganhava com a venda. Sua ambição era de curto prazo. Sua visão de  futuro enxergava, no máximo, a preparação de seus filhos para tocar o  negócio dali a alguns anos. A gestão desse artesão limitava-se a isso. E ela já era sustentável para a  época, na medida em que o negócio prosperava no presente e tomavam-se cuidados para ele continuar prosperando no futuro.


A esse artesão pouco importava se, no final do dia, ele jogava a água  contaminada de resíduos de cobre no riacho atrás da sua oficina. Se ele  abatia árvores da região para alimentar a fornalha, cuja fumaça jogava fuligem sobre a aldeia toda. Se a sua mão-de-obra era praticamente  escrava, inclusive com trabalho infantil.


Revolução agrícola, revolução industrial, revolução da informação, revolução tecnológica – sempre as empresas tiveram que atuar de forma  objetiva, para o bem imediato e para a sustentabilidade de seu próprio negócio ao longo do tempo. O que vivemos hoje é o acirramento e a ampliação das exigências que as  empresas têm que cumprir para a saúde atual de seus negócios e para a  perpetuação de sua prosperidade.


Os públicos de interesse, com os quais as empresas se relacionam, vêm  crescendo, articulando-se e exercendo pressão sobre a gestão dos  negócios, sua operação e impactos na sociedade e no meio ambiente. Consumidores são um desses públicos de interesse mais direto para as  empresas. A cada nova geração de consumidores que ingressa no  mercado, aumenta o nível de informação, consciência e exigência quanto à gestão responsável das empresas, se elas de fato praticam ou não o desenvolvimento sustentável.

Qual é o papel das empresas nessa questão?

O papel das empresas é o papel de toda a sociedade, de todos nós: serem conscientes e responsáveis na gestão e na operação de seus negócios. Do  mesmo modo que cada um de nós tem a obrigação de ser consciente e  responsável, social e ambientalmente, na forma de levar a vida. A responsabilidade das empresas é maior, porque as empresas são maiores, com atuação maciça, em escala. Empresas têm uma energia e uma força  gigantescas. Empresas têm recursos e gestão de recursos. Empresas têm poder de mobilização e articulação em níveis paroquiais, locais, regionais e mundiais. Empresas têm tecnologia, inovação. Empresas têm interesses e  compromissos de prosperidade de curto prazo e visão de longo prazo.  Empresas produzem resultados e impactos do seu tamanho, portanto têm responsabilidade socioambiental proporcional a esse tamanho. Nada mais natural que as empresas tenham atuação responsável, gestão de desenvolvimento sustentável.

É um interesse legítimo de negócios, como era legítimo o interesse daquele artesão medieval: garantir a saúde de seus negócios no presente e perpetuar essa saúde no futuro. As diferenças estão na complexidade das demandas e pressões de hoje, na diversidade dos públicos de interesse e na urgência das mudanças dos  modelos de gestão empresarial. Todos temos pressa de tentar viver e fazer negócios numa sociedade e num meio ambiente saudáveis, com  algum futuro visível. Mas os recursos naturais e o tempo passam rápido, esgotam-se rápido nos dias de hoje.


O que mais preocupa os executivos quando o assunto é responsabilidade socioambiental?

Acredito que seja o noviciado de todos no assunto, uma prática tão antiga, mas agora vital. Esse noviciado dá margem a interpretações, a assunções, a equívocos e oportunismos de todo tipo e de toda parte. Outra preocupação me parece ser com a mudança do modelo de gestão  dos negócios. Sempre é difícil substituir um jeito consagrado e seguro de  fazer as coisas. Ainda mais quando a mudança necessária nas empresas é  visceral, orgânica à gestão dos negócios, à operação, à forma mesma de investir, financiar, contratar, comprar, produzir, negociar, distribuir,  vender, acompanhar o produto após as vendas, lucrar, crescer.  Sustentabilidade, mais do que lucratividade e crescimento nos moldes que  aprendemos a fazer negócios, é Desenvolvimento compartilhado: ganho imediato combinado com desenvolvimento, que leva ao ganho duradouro. Para todos: o negócio, a sociedade, o meio ambiente.


Empresas adotam práticas de Responsabilidade Socioambiental como se  fossem práticas de Sustentabilidade. São, porém, apenas em parte. A Responsabilidade Socioambiental é um pilar da Gestão Sustentável, a Cidadania Empresarial, mas não é toda a Sustentabilidade da empresa. Responsabilidade Socioambiental é um conjunto de práticas sociais e  ambientais responsáveis, que visam uma contrapartida da empresa à  sociedade e ao meio ambiente de onde ela tira seu sustento. Responsabilidade Socioambiental é uma estratégia corporativa e de negócios de curto e longo prazo. Ninguém consegue prosperar por muito  tempo numa sociedade inferior, injusta, e num mundo devastado.

A sustentabilidade também está tornando-se uma exigência nas relações B2B?

Uma empresa se relaciona com uma complexa multiplicidade de partes interessadas, diretamente ligadas aos seus negócios. O público mais  imediato e importante é o interno, a comunidade de profissionais da própria empresa, seus funcionários, colaboradores, terceirizados ou não. Como círculos concêntricos quando jogamos uma pedra num lago, em  seguida vêm os parceiros de negócios históricos e firmes, digamos os  fornecedores, prestadores de serviços, de matéria prima, de recursos. O círculo final é o dos clientes, consumidores ou empresas.


Mas esta é uma analogia linear, cartesiana, confortavelmente antiga. Se pensarmos abertamente, todo mundo é cliente de todo mundo. A melhor imagem talvez não a seja de uma pedra jogada no lago, mas sim  a de várias pedras jogadas ao mesmo tempo no mesmo lago. Círculos se  sobrepõem, cruzam a água em várias direções, relacionam-se, uns mudam  o movimento dos outros. Mas o epicentro é o mesmo: a empresa. Não será sadia a relação de negócios da empresa, se não houver uma comunhão de visões e valores socioambientais, sobre gestão sustentável e a forma de fazer negócios com todos seus círculos de relacionamento. Este é um dos mais decisivos papéis de uma grande empresa: usar seu  poder e trabalhar em rede com seus parceiros de negócios – fornecedores e clientes – para que todos compartilhem de forma integrada, cooperada e multiplicadora as mesmas práticas responsáveis em seus negócios. Isto é ou deverá ser cada vez mais o business-to-business sustentável.

Como o consumidor participa do desenvolvimento sustentável?

O consumidor participa sendo, ele mesmo em primeiro lugar, um ser consciente e responsável em seus valores, conduta e comportamento. Sendo, enfim, um cidadão. Parte importante de toda cidadania é a capacidade de cada um usar sua  ação, dentro de seus limites de poder e alcance, para exercer pressão sadia e positiva em seus pares. Uma empresa é par do seu consumidor, ou deveria querer ser.

O consumidor tem o poder de preferir e manter-se leal a empresas e marcas que comprovadamente tenham atuação responsável e pratiquem  o desenvolvimento sustentável. Da mesma forma que o consumidor tem o  poder de execrar, afastar-se de empresas e marcas irresponsáveis ou,  pior, de empresas e marcas que posam de responsáveis apenas no  discurso cosmético de imagem (green-washing).


A cada nova geração de consumidores há mais lucidez, que vem da  educação, da quantidade, qualidade, velocidade e interatividade da informação. Está sendo forjada rapidamente uma mentalidade de valores responsáveis, uma nova geração de cidadãos.


No Brasil ainda é pequeno e fluido o contingente de consumidores que recompensa ou pune marcas e empresas pelo grau de responsabilidade da sua atuação. Mas daqui a alguns anos, como serão os consumidores que irão decidir o quê e de quem comprar? Serão consumidores-cidadãos de  fato. O que eles trarão na cabeça e no coração irá afetar diretamente o  destino do que eles trarão no bolso.


Além do reconhecimento ou da punição através do exercício de consumo, o cidadão-consumidor já hoje também exerce seu direito de botar a boca  no mundo. Falar bem ou falar mal de empresas e marcas, através do poder de disseminação que os meios de comunicação têm hoje. Esses  novos consumidores são implacáveis, afiando-se a cada dia. Não dá mais  para esconder da mídia, dos formadores de opinião, da sociedade, a  diferença entre Imagem e Reputação.


Imagem é o que eu quero que pensem e achem de mim. Reputação é a comprovação na prática dessa imagem que eu projeto.

É preciso investir em tecnologia para ser ecologicamente sustentável?

Uma visão apenas ecológica do futuro não é suficiente. É importante, mas o buraco em que todos estamos é bem mais embaixo. O fundamental é praticar de fato o desenvolvimento sustentável nos  negócios, na operação. Isso pressupõe criar um novo modelo de gestão,  de A a Z dentro da empresa, que alinhe e comprometa toda a operação  com discursos e práticas responsáveis.


Inovação é o caminho para se criar esse novo modelo.  Investir no desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis, dentro das quais estão as tecnologias ecologicamente exemplares, é o combustível limpo que impulsiona essa revisão do modelo de gestão e  operação.


Aqui está, mais uma vez, a importância do papel das empresas nas  transformações socioambientais a partir e através dos negócios. Empresas têm poder e recursos financeiros, intelectuais, tecnológicos,  legais, de planejamento e gestão. Empresas têm escala, impacto.  Empresas têm interesse nos seus negócios.


Portanto, investir em inovação e novas tecnologias sustentáveis é estratégia corporativa e de negócios, não filantropia empresarial.

Percival Caropreso, 18 agosto 2008

Percival é membro do Conselho Consultivo da Aventura de Construir. Profissional de Marketing e Comunicação, há mais de 30 anos militando em causas socioambientais. VP América Latina e Diretor Regional de Criação (McCann-Erickson) por 14 anos e fundador da consultoria Setor 2 ½

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